Capítulo 11 - As Memórias de Clarice

Foi, eventualmente, o Fernando que me levou a casa. Ou direi melhor para casa, visto que ele me levou para a sua e não para a minha. Aquilo que me lembro da casa deve-se ao pequeno-almoço que tomei lá no dia seguinte, pois quando chegámos à noite eu não estava em condições de reparar em nada. Era pequena e acolhedora, com aquele aspecto típico de casa de homem solteiro, no entanto, minimamente arrumada.
Ele levou-me para o quarto para eu descansar e tentar curar a bebedeira, mas lembro-me de recusar deitar-me na cama, alegando que se o fizesse algo desastroso poderia acontecer aos seus lençóis. Acabei por cair em cima da cama, por me ter desequilibrado, facto que divertiu o Fernando, que se desatou a rir das minhas figuras. Ficámos a conversar até eu começar a sentir-me melhor e deixar de ver tudo em câmara lenta, até ficarmos os dois sonolentos. Tive que dormir na cama com ele, era a única cama da casa; o sofá da sala era de madeira, e apesar das almofadas serem fofas tive de impedir que o Fernando lá dormisse, caso contrário no dia seguinte não se iria mexer. "Não iria acontecer nada" foi o que disse para com os meus botões, mas estar deitada ao lado de um homem como o Fernando e ser controlada não é fácil. Estava cada um para seu lado, em ambas as pontas da cama, havia tanto espaço entre nós que, diria, quase cabia uma terceira pessoa ali. Mas algo foi mais forte que nós, e não posso sequer culpar o álcool pois eu já estava praticamente sóbria. Virámo-nos um para o outro ao mesmo tempo, estávamos claramente a ter os mesmos pensamentos e isso ficou provado pela sincronia do nosso beijo. Não houve palavras, tudo aconteceu tão naturalmente que parecia que sabíamos exactamente o que cada um gostava, mesmo sem termos alguma vez falado no assunto. Foi carinhoso e ao mesmo tempo devorador. Adormecemos de exaustão.

Pela manhã, senti a claridade vinda da janela bater-me no rosto e abri os olhos. Estava enroscada no Fernando e ele ainda dormia profundamente. Tomei a liberdade de ir até à cozinha ver o que havia para o pequeno-almoço, não queria acordá-lo. Por um lado porque ele estava imerso num sono tranquilo; por outro, eu não queria ter de enfrentá-lo tão cedo depois do que aconteceu, precisava de um tempo para aclarar as ideias. Já passava das 12h, pelo que, eu não sabia bem se havia de fazer um pequeno-almoço, ou um almoço, acabando por optar pelo primeiro. Para meu desespero, o Fernando acordou poucos minutos depois. Digo desespero, por não saber como reagir ou o que dizer sobre os acontecimentos daquela noite.
- Bom dia!
- Bom dia! - disse eu, evitando o contacto visual
- Podias ter-me acordado para te vir ajudar.
- Não tive coragem, estavas a dormir tão bem.
- Que amável! - disse ele em tom de brincadeira - Mas eu é que te devia fazer o pequeno-almoço, afinal de contas a ressacada aqui és tu.
- Ah obrigada pelo elogio! Estou bem, nem me doí a cabeça.
- Claro que não dói. Depois do que aconteceu era impossível doer.
Pronto, tinha chegado o momento que eu temia, a referência à nossa noite de amor (se é que posso dizer isto) escaldante.

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